A Fiocruz convoca a sociedade brasileira a tomar
conhecimento sobre [as] inaceitáveis mudanças na lei dos agrotóxicos e suas
repercussões para a saúde e a vida.
No último dia 20 de fevereiro, o Conselho Diretor da Fiocruz
aprovou por unanimidade uma carta aberta à sociedade brasileira alertando para
os riscos causados pelas recentes modificações na legislação que regula o uso
de agrotóxicos no país.
Detalhe de cartaz da capanha contra os agrotóxicos |
Veja íntegra da carta:
Carta aberta da Fiocruz frente às atuais mudanças na
regulação de agrotóxicos e perdas para saúde pública
A Fiocruz, por meio de posicionamento unânime do seu
Conselho Deliberativo (CD), reunido no dia 20 de fevereiro de 2014, manifesta
que a Legislação de Agrotóxicos no Brasil (Lei 7.802/89 e Decreto 4.074/2002) é
uma conquista da sociedade brasileira dentro de um processo
participativo-democrático e amparado pela Constituição da República de 1988.
Nela, o Estado, com a participação da sociedade civil, tem o dever de avaliar e
controlar o seu uso, por meio de mecanismos intersetoriais de órgãos da saúde,
agricultura e meio ambiente. No caso da saúde, cabe à Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) a execução destas atividades.
A crescente pressão dos conglomerados econômicos de produção
de agroquímicos, para atender as demandas do mercado (agrotóxicos,
fertilizantes / micronutrientes, domissanitários) e de commodities agrícolas,
tem resultado numa tendência de supressão da função reguladora do Estado.
As legislações recentemente publicadas e os correspondentes
projetos de lei em tramitação, ao flexibilizarem a função regulatória do
estado, tendem a desproteger a população dos efeitos nocivos inerentes aos
agrotóxicos, principalmente, e de maneira mais grave, àqueles segmentos sociais
de maior vulnerabilidade: trabalhadores e moradores de áreas rurais,
trabalhadores das campanhas de saúde pública e de empresas de desinsetização,
populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas.
A literatura científica internacional é inequívoca quanto
aos riscos, perigos e danos provocados à saúde pelas exposições agudas e
crônicas aos agrotóxicos, particularmente entre os trabalhadores e comunidades
rurais que estão sistematicamente expostos a estes produtos, inclusive por meio
de pulverizações aéreas de eficácia duvidosa.
A Fundação Oswaldo Cruz, enquanto uma das principais
instituições de produção tecnológica, pesquisa, ensino técnico e pós-graduado
em saúde do país, tem o compromisso de produzir conhecimento para a proteção,
promoção e cuidado da saúde.
Na questão específica do tema agrotóxicos, em perspectiva
interdisciplinar, a Fiocruz historicamente oferta cursos e desenvolve pesquisas
voltadas para o aprimoramento da gestão pública; realiza diagnóstico de agravos
de interesse da saúde pública; implementa programas inovadores de vigilância;
desenvolve e a aplica metodologias de monitoramento e avaliação toxicológica,
epidemiológica e social; e realiza a investigação de indicadores preditivos de
danos e a comunicação científica.
Entre às atividades de serviços prestados, a Fiocruz integra
o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e as ações de Vigilância a Saúde.
Mantém sob sua coordenação o Sistema Nacional de Informação
Toxico-Farmacológica (Sinitox) que disponibiliza desde 1985 informações sobre
os agravos relacionados aos agrotóxicos com base nas notificações coletadas
junto aos centros de informação e assistência toxicológica distribuídos no
país. Participou diretamente das atividades de reavaliação e decisão sobre os
agrotóxicos que provocam efeitos agudos e crônicos sobre a saúde humana
conforme dados experimentais, clínicos e epidemiológicos obtidos em
trabalhadores e em consumidores, onde são suspeitos de possuir efeitos
carcinogênicos, teratogênicos, mutagênicos, neurotóxicos e de desregulação endócrina.
Na cooperação técnica destacam-se sua participação direta
junto ao Sistema Único de Saúde, órgãos colegiados, agências internacionais
(OMS/OPS/IARC/IPCS; OIT; FAO) e organizações multilateriais (Convenções de
Estocolmo, da Basiléia, Roterdã) voltados aos processos de regulação de
produtos e serviços de risco químico /agrotóxicos. Colabora com órgãos
Legislativos, Ministério Público e Sociedade Civil Organizada em iniciativas
que visam aprimorar a atuação no controle de agrotóxicos e fomento a produção
limpa e segura.
Este processo em curso de desregulação sobre os agrotóxicos
que atinge especialmente o setor saúde e ambiental no Brasil está associado aos
constantes ataques diretos do segmento do agronegócio às instituições e seus
pesquisadores que atuam em cumprimento as suas atribuições de proteção à saúde
e ao meio ambiente. Frente a estes ataques a Fiocruz, o Instituto Nacional de
Câncer e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva já responderam repudiando-os
mediante nota pública, reafirmando assim seu compromisso perante à sociedade de
zelar pela prevenção da saúde e proteção da população.
Em suas relações com a sociedade, de acordo com preceitos
éticos e do SUS, a Fiocruz participa de diversas iniciativas de esclarecimento
e mobilização tais como o “Dossiê da Abrasco – Um alerta sobre os impactos dos
agrotóxicos na Saúde” assim como da “Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos
e pela Vida”, do “Grito da Terra”; “Fóruns Nacional e Estaduais de Combate aos
Impactos dos Agrotóxicos” entre outros mecanismos e instrumentos que visam
buscar alternativas ao uso de agrotóxicos.
Ante o exposto, a Fundação Oswaldo Cruz contesta a Lei que
permite o registro temporário no País em casos de emergência fitossanitária ou
zoossanitária sem avaliação prévia dos setores reguladores da saúde e do meio
ambiente (Lei n° 12.873 /13 e o Decreto n° 8.133/13), pugnando por sua
revogação imediata. A Fiocruz se coloca também contrária a outros Projetos de
Lei que tenham o mesmo sentido, como o PL 209/2013 do Senado que pretende
retirar definitivamente ou mesmo restringir a atuação das áreas de saúde e meio
ambiente do processo de autorização para registro de agrotóxicos no Brasil.
Declara, ainda, que se coloca à inteira disposição das
autoridades do executivo, do legislativo, do judiciário, do Ministério Público
e da sociedade civil para participar das discussões sobre o marco regulatório
de agrotóxicos, na busca de alternativas sustentáveis, como a Política Nacional
de Agroecologia e Produção Orgânica. Frente a esse cenário a Fiocruz formalizou
um Grupo Trabalho sobre agrotóxicos entre seus pesquisadores para tratar de
forma sistemática o tema.
Nota: A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde é uma destacada instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina. Localizada no Rio de Janeiro, é uma instituição com a finalidade de promover a saúde e o desenvolvimento social, gerar e difundir conhecimento científico e tecnológico, ser um agente de cidadania.
Fontes: http://www.contraosagrotoxicos.org/